terça-feira, 28 de dezembro de 2010

London Times



Saiu hoje no Caderno Viagem da ZH:

Tomar um café no Natural History Museum é uma ótima pedida para quem gosta de História. Atrás de nós, nosso anfitrião, o biólogo Thomas Henry Huxley. Logo ao lado, estava Charles Darwin (que não posou para a foto).

Eneida Costa e Daniel Rocha, maio de 2006.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Undertow

Pois que neste começo de madrugada (o relógio deste blog está seis horas atrasado, agora são 2 e 22) os deuses do rock and roll me mandaram um presente de Natal: o grande Mr. Big está de volta, com a formação original, e a faixa que abre o disco mostra que os caras não estão pra brincadeira.

Mas se você ainda não se convenceu, aumente o som.

Nada mal para brindar o ano novo vindo aí, não é mesmo?

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sugestões para atravessar o verão

Aproveitando o ano que está indo e a proximidade do verão e todas as suas efervescências – que honestamente detesto –, enquanto revejo John Blackwell quebrando tudo com Everlasting Love (presente para o Marcelo Martins, que adora funk), e deixo as valiosas dicas de equilíbrio emocional para escritores, posto hoje um texto inspirado nas “Sugestões para evitar...”, da Hilda Hilst, fruto da oficina com o Diego. E uma homenagem àqueles que, como eu, contam as horas para a chegada do outono.


Sugestões para atravessar o verão, seguido de fim de relacionamento

1)Aceite o fato de que você vai sentir raiva. Não só porque você está de volta ao rebanho desgarrado dos solteiros, mas especialmente porque todos amam o verão, esperam o ano inteiro pelo verão, estão felizes e MUITO sorridentes.

2)Seu primeiro impulso vai ser querer ir pra galera e se afundar na farra, não apenas para tirar o atraso e a abstinência impostos pela vida de casado, mas também por causa da raiva (lembre-se da dica nº 1). Resista a esse impulso. O mito de que para esquecer um amor só com outro amor é mentira. Não se tapa um buraco com outro buraco. Além do mais, 99,9% dos relacionamentos iniciados no verão e na praia não sobrevivem na cidade, ou em todo caso à terça-feira gorda. Se você acha que o seu caso vai ser o 0,1% que vai vingar, é melhor tomar uma ducha. E por falar em terça-feira gorda:

3)Mantenha-se afastado da televisão. O problema não é se sentir mal com os trios elétricos, Ivetinhas e axés em geral. O problema está em se acostumar com isso, e seguir contaminado para além de março. Tenha sempre a mão cds de rock, mesmo que você não goste de rock. Nunca falha.

4)Faça as pazes com o fato de não ter dinheiro para ver a neve em Londres ou Nova Iorque. A vida é injusta. Mas esqueça o trabalho e os estudos e durma o dia inteiro. De noite é mais fresquinho.

5)Coloque na lista do Papai Noel um novo relacionamento. Tudo bem que o ano está recém começando e tem todo esse calor horrendo pela frente, depois outono, inverno, primavera. No fim dá tudo certo. Mas primeiro você vai ter que sobreviver ao verão.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Ozzy e as Doces Obsessões

Começando dezembro, escutando o novo Ozzy, no dia em que mofei na fila para comprar ingressos para ver Mr. Madman
daqui a quatro meses, deixo a breve história escrita originalmente para o Histórias do Trabalho, e me despeço com Let me hear you scream:


Doces Obsessões

Tenho um emprego e um trabalho. Em meu emprego chego de manhã, não muito cedo, e vou embora de tardezinha. Em meu trabalho, não tem hora para começar, muito menos para terminar, trabalho todo dia o dia todo, noites e noites sem fim. Meu verdadeiro ofício começa quando a vejo, ela me olha de volta, eu sorrio, ela sorri, ou acho que ela sorriu, alguns segundos depois estamos casados, depois bodas de prata, mas ciúmes retroativos do que ela fez como fez com quantos fez há quanto tempo não faz anuviam minha mente, ela vai me largar, como todas as outras, de novo, nascido para ser um fracasso, e só penso nisso todo dia o dia todo, e os outros trabalhos, pelos quais recebo no fim do mês, vão se acumulando na mesa nesta prisão que chamam de agência publicitária, e quando penso em criar um anúncio para vender meu coração, eterno cigano, e vender também a menina para quem o dei, com quem sou casado, celebramos aniversários, e me traiu com todos os meus amigos, só então percebo que aquela menina apenas sorriu e foi embora. Então aguardo ansioso o próximo rosto, o próximo sorriso, o próximo casamento, a próxima obsessão.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Godoh, Leminski & Ísis

O papo com o Fabio Godoh estava muito legal segunda passada (juro que se ele me mandar o mp3 da conversa, posto aqui) e um trecho que achei particularmente adequado à Resistência foi quando ele citou Leminski, que dizia que é fácil ser escritor aos 18 anos, com 15 é mais fácil ainda. Quando chegamos aos vinte e poucos, a coisa complica. E se alguém chega aos 30 e ainda quer ser escritor, esse alguém é um herói. Com 32 aninhos, acho que posso me enquadrar na galeria. Também (se rolar outro convite, claro) em breve talvez esteja lendo trechos de ficção nas madrugadas do Chimia Geral. E falei no Laboratório de Autores da 8inverso, então aproveito a deixa para postar meu primeiro conto, a apresentação da minha nova personagem, esta aí dos parágrafos abaixo:


Não sabia do que se tratava esta história até chegar bem perto do fim.

Na mesa em frente, o homem olhou para o anel no anular direito de Ísis, direito da mão de noiva, depois olhou para seu rosto e sorriu, como quem diz não se importar, não conto nada se você também não contar, mas Ísis sabia, e isso era suficiente, então voltou-se para o café abaixo dos seios, cobertos como véu de vidro. Ísis usava All Star roxo, mulher que é mulher usa All Star, detestava as peruas. A cartomante falou em uma mulher morena de cabelos ondulados, mas ela mesma era morena de cabelos ondulados e metade das mulheres que conhecia eram morenas de cabelos ondulados. Não importa, havia uma mulher, e ela tomou outro gole do café, o homem a sua frente insistindo, incitando, convidando, tentando. Mas o anel estava acima de flertes, de uma noite e nada mais, um almoço e nada mais. O anel era sinal de que Ísis tinha de quem esperar flores, eu te amos a cada vez que se falavam pelo telefone, e ela ainda tinha que entregar sua monografia, mesmo que a faculdade não estivesse rendendo muito. E então tomou a decisão, tinha que fazer alguma coisa, se levantou, pegou a monografia surrada e foi saindo do café. Ouviu o fiu-fiu atrás de si, tão bobo quando um homem assobia para uma mulher, mas sentiu o sobre o estômago doendo, aquele assobio talvez fosse mais verdadeiro do que a outra parte daquele anel, os dois que deveriam ser, o elo da corrente sem elo, e foi com a cara fechada, que nem hominho, caminhando até o ônibus que a conduziria para a faculdade. Pelo menos o All Star não tinha som de cavalos trotando, como os tamancos das patrícias.

Subiu no ônibus, sentou ao lado da janela, nem quis folhear a monografia. Agora não dava mais tempo de mudar, não queria ser surpreendida na última hora por erros de ortografia impressos: o único erro pipocando ante seus olhos era aquele anel. Ouviu nos corredores, porque mulheres sabem ser maus como nenhum outro ser quando têm inveja do amor alheio, que ela estava sendo traída. E haveria uma festa, para a qual – é claro – ela não havia sido convidada, uma pequena confraternização de fim de ano na sala dos professores, que ficava no mesmo corredor onde ela deveria entregar sua monografia. Quando desceu do ônibus, trilhou com pesar a passarela, querendo mais do que tudo não ter que ir, mesmo que tivesse que fazer vestibular de novo, cursar as mesmas cadeiras, ser pintada, amarrada e passar halls de boca em boca no mesmo trote, qualquer sacrifício era menor do que aquele: eles estariam na festa da sala dos professores, os dois, e ela não era o um que devia somar com mais um, era um vértice solitário de triângulo que devia ser redondo, que devia ser dois, e não três, nunca três, era mulher ciumenta e possessiva, era mulher, ponto. Mas caminhando no saguão, o jeito ríspido no caminhar, parecia soldado, parecia guerreiro, o pânico em frente à multidão de estudantes sobre os bancos, em volta do chafariz, os lugares por onde ela sempre passaria e lembraria da pessoa que um dia disse que ia ficar com ela, que queria ser sua, só sua, e nada mais.

Ísis subiu a escada, não podia confundir as portas, passou pela secretaria e caminhou sem olhar para os lados, as portas fechadas. A da esquerda era a sala dos professores, já podia ouvir a música ao fundo, malditos sejam, a da direita era seu destino, entregar aquele monte de folhas escritas nas madrugadas, no pouco que dormia antes de regressar à agência, e tentar não pensar, impossível não pensar, não entre na porta da esquerda, a música, os risos, jurou ter ouvido tilintar de copos, e ela abriu a porta da direita.

Ali dentro alguns professores e alunos confraternizando. Ísis não viu mais nada, apenas o homem de cabelo bem aparado, perfume de homem, braços e peito de homem, peito a peito com a menina morena de cabelos ondulados. Estavam dançando, uma música lenta, os dois se perderam um no outro, mergulhados com os olhos fechados de rosto colado, uma lentinha para os enamorados, eles nem tinham notado Ísis, que se aproximou, os professores olharam para ela, talvez fosse convidada, não deram importância, ninguém daria importância, e Ísis parou ao lado dos dois. A música parou junto. Eles acordaram e viraram para Ísis, que beijou a boca da menina, prendendo seu rosto com as duas mãos, e sorriu para o homem:

— O negócio dela é outro, Romeu, ela disse e olhou para a mulher com olhos de homem assassino. E falou com raiva de homem, com ânsia de homem, xingou como homem: — Vadia.

Ísis tirou o anel e jogou no chão, saindo feito vendaval. Só quando voltou ao corredor, sozinha entre as paredes, chorou que nem mulher, que nem menina, que nem princesa.

Desceu as escadas, a visão nublada, enxugou os olhos e já estava a sair do saguão quando ouviu um estouro. Parecia uma bomba. O enxame de gente infestou o saguão, a visão continuava nublada. Coração nublado. Os bombeiros chegaram, disseram que alguém tinha colocado uma bomba no banheiro, na sala que ficava à esquerda, onde Ísis quase entrou, talvez alguém que não tivesse terminado sua monografia, aquele era o último dia, mas decidiram evacuar o prédio, e o prazo ficaria para a semana seguinte.

Ísis caminhou até a entrada da faculdade, andando pela passarela no caminho pregresso até trombar com uma menina, a última da fila do ônibus, toda maquiada, com tanto ruge que parecia ter sido espancada, reconheceu o Scarpin em seus pés, Ísis pediu desculpas, a menina sorriu, mas Ísis virou o rosto. Detestava peruas.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Encerrando a Feira com Godoh

Segunda-feira estamos encerrando a Feira e, aproveitando o feriado, vou conversar com meu ex-colega de oficina e atual radialista Fabio Godoh, ali na Casa da Band, do meio-dia a uma da tarde. Falaremos ao vivo também pela rádio dos loucos.

Se tiver de banda, sintonize. Ou apareça.

Talvez até leve uns trechos inéditos dos meus livrinhos para ler.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sir McCartney e o meu estômago

Enquanto a presidente da Distant Thunders Corporation foi ver o Paul, deixo este breve poema para começar a semana, escrito originalmente para o concurso do bus:

Meu estômago é inverno
A primeira vez, a última vez

Meu estômago aceita, rejeita
Vomita para não ser vomitado

Meu estômago é coração
Viciado sedento por mais uma dose

Meu estômago quer escalar o Everest
Mas tem medo de cair boca afora

Meu estômago é esperança
De um dia ver o sinal verde para mim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Semana de Feira

Como tenho vivido dias corridos, não consegui ir em nenhum evento da Feira ainda, a começar pela palestra da 8inverso hoje. Já anotei vários outros no Guia da Feira, incluindo rever o clássico Fuga de Nova York – um filme que já devo ter visto umas quarenta vezes, salve Cobra Plissken –, agora na telona do Santander, na próxima quinta-feira. E claro, pechinchar novas aquisições literárias que lotam minhas listas todos os anos.

Aliás, deixa eu ir lá, que já estou atrasado.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dias Gomes & Viver de Escrever

É, naquela época eu escrevia um romance, duas peças, três contos, poesias, tudo ao mesmo tempo. Minha cabeça era uma tremenda confusão. Eu lia sem parar, escrevia sem parar, e era obcecado por uma ideia: fazer alguma coisa importante. E achava que precisava fazer logo, porque ia morrer cedo. A ideia da morte me perseguia, eu achava que não chegaria aos 25. Daí a minha ansiedade. Cursei um ano de engenharia, mas já no meio do ano frequentava aulas de direito. Fui até o terceiro ano quando percebi que estava apenas indo em busca de um anel de doutor, já que jamais seria advogado. Eu queria mesmo era ser escritor. E seria, custasse o que custasse. Disso tinha certeza absoluta.

Dias Gomes, entrevista a Edla Van Steen. In: Viver & Escrever - vol. 1. Ed. Lpm.

Enquanto aguardamos novidades (ó esperanças, sempre incertas) para postar aqui, leio sobre viver de escrever
e sobre a urgência de publicar e o papel do editor. Na sequência temos Feira, e meu segundo turno como mesário.

E seguimos resistindo.

sábado, 16 de outubro de 2010

Depois do Llosa

Pois que fui ver o cara ontem. Não vou me ater aos comentários políticos e sobre a importância do acesso às culturas de sua conferência, mas gostei particularmente da entrevista posterior. Quando perguntaram sobre o Nobel e todos os outros prêmios, ele disse que o que gosta mesmo de fazer (e o que realmente importa) é escrever. Que cada escritor é um rebelde, resiste em aceitar a vida como ela é, por isso dedica seu tempo a criar mundos ficcionais. Que todo escritor tem o desejo mais profundo de ser um grande escritor. Que quando começa a escrever, ele se sente inseguro, amedrontado, que queria ser capaz de escrever livros como os de Tolstoi e Victor Hugo, mas descobriu que Flaubert (um de seus preferidos) não era muito talentoso, mas graças a sua incrível perseverança, convicção e disciplina, foi capaz de produzir uma obra-prima como Madame Bovary - que aliás estou lendo. Llosa leva de dois a três anos para escrever um livro (não estou tão mal assim, então), e reescreve muito. Corta, mexe no texto. E acredita que a literatura torna as pessoas melhores.

Pena que achei que tinha perdido o celular nas cadeiras, e acabei não conseguindo pegar senha para um dos únicos 100 autógrafos que ele ia dar, e meu Travessuras da Menina Má voltou para casa como foi. Mas não se pode ter tudo, não é mesmo?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Llosa e o Nobel

Queria achar a primeira carta na íntegra do Cartas a um jovem escritor, um livro que mudou minha vida, em homenagem ao mais novo Nobel latino-americano, mas achei apenas duas outras resenhas do livro, para dar um gostinho, essa aqui
e essa aqui.

Em tempo: já falei que vou ver o cara no Fronteiras do Pensamento semana que vem?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Significantes & Significados

Falando em oficina, semana passada fizemos um exercício baseado nos significantes & significados de Saussure, e matei as saudades daquele distante primeiro semestre famequiano em que estudei semiótica e peguei G2. A ideia era criar palavras novas. Acabei fazendo um dicionariozinho, contando uma história:

Cabanasilo – s. f. Lugar de retiro para pessoas se desintoxicando de relacionamentos amorosos problemáticos.

Ventriculorizados – adj. Enfermos imediatamente após o fim da relação. Os sintomas podem durar minutos ou anos. São encaminhados para a Cabanasilo.

Triquetriquexupetante – adj. Período imediatamente após o início do novo relacionamento. Se não for diariamente incentivado, pode gerar recaídas ventriculorizadas, e o retorno à Cabanasilo.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

É preciso (acima de tudo) resistir

Hoje li no Livro dos Livros Perdidos, no capítulo dedicado a Hemingway, sobre a maleta com todos os seus escritos anteriores a 1922 ter sido perdida por sua primeira esposa em uma viagem a Suiça, e descobri que seu lema era il faut (d'abord) durer - é preciso (acima de tudo) resistir.

Daqui a algumas horas a primeira versão do meu rebento vai completar um mês, e preciso continuar trabalhando e fazendo as dezenas de cortes & amarras & reescrever trechos inteiros caneteados por mim na primeira leitura. A produção segue firme na oficina do Diego e acho que teremos livrinho no fim do ano. E domingo vamos madrugar, 10 anos que o TRE não me larga de mão.

Il faut (d'abord) durer.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Resistência & Café

As minhas experiências no terreno da ficção não lograram aceitação crítica ou de público, até que, escondido num pseudônimo, o Ninho de Cobras obteve o Prêmio Walmap. Mas convém não esquecer que o Ninho de Cobras, antes de entrar no concurso, foi recusado pela Editora Expressão e Cultura, sob a alegação de que não era um romance e eu estava perdendo, na ficção, um tempo precioso que poderia ser canalizado para a poesia. Conto esta história porque, para mim, tanto o aplauso como a vaia, o silêncio e o rumor, têm a mesma significação. Considero-os ingredientes imprescindíveis de qualquer trajetória literária. Acho que, se alguém sente em si a força ou a compulsão da vocação, deve seguir o seu caminho, pois tudo são caminhos. Que seja célebre ou obscuro, que tenha leitores ou não, que os críticos o louvem ou escarneçam dele, tudo isso é secundário.

Um escritor não deve se preocupar com a ressonância da sua obra, deve deixar que ela siga ou abra o seu caminho. Deve procurar escrever sempre o seu melhor livro, contribuir para o enriquecimento do patrimônio literário de seu país. Em suma, um escritor não deve esquecer-se jamais de que é um profissional solitário.

Lêdo Ivo, entrevista a Edla Van Steen. In: Viver & Escrever - vol. 1. Ed. Lpm.

Enquanto isso, talvez passe um café para reler o belo Café Ancien, e a vida segue.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Laboratório de Autores

Uma semana depois da conquista do post abaixo, dos 134 autores inscritos do Brasil todo, mais Portugal e Estados Unidos, 19 selecionados e olha só o meu nomezinho na lista do Laboratório de Autores da 8inverso.

Nada mal para uma véspera de 7 de setembro, hein?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Porto Alegre, 30 de agosto de 2010

Right on: conseguimos.

Sentado em um dos bancos da Catedral Metropolitana em meio ao silêncio celestial e os barulhos da segunda-feira de manhã acontecendo do lado de fora, escrevo no caderno sobre meu colo o parágrafo final da narrativa que teve sua gênese no nada saudoso janeiro de 2006. Uma turma do jardim de infância invade meu silêncio e o isolamento espiritual deste caderno, que comprei junto com uma caneta mágica que não tenho mais, com a clara intenção de escrever O Livro. Claro que com pretensões astronômicas a narrativa não fluiu muito. Mas vamos do início, enquanto as crianças silenciam e tiram fotos da Catedral e agora saem em fila indiana. Pois bem, no muito longo janeiro de 2006, me sugeriram escrever sobre um assunto x, e naqueles dias distantes conheci a linda How far will we go do Kip Winger, e essa música provocou a fagulha inicial, tão necessária para querer contar uma história, embora naquele ponto não tinha, nem poderia ter, ideia do que queria escrever. Tinha imaginado contar a história toda em um dia, talvez influência de Jack Bauer e sua turma, cuja Quarta Temporada me ajudou a atravessar aquele mês. Tinha me programado para escrever tudo em três meses, mas levei mais de três anos. Na verdade, ainda tinha mais da metade do um pouco eterno livro para escrever, que foi concluído dia 13 de dezembro daquele ano. No reveillon de 2007, quando cheguei em casa, ouvi How far will we go e comecei o esboço inicial, no histórico caderno onde escrevi a autobiografia do RIP aos 15 anos, cuja redação do texto em detrimento de um trabalho de biologia me rendeu uma reprovação no fim do ano.

Comecei a narrativa propriamente dita em 20 de março de 2007, quando começa o outono e o dia no qual se passa a história. Lembro que, como sempre deixei tudo para depois, disse que só ia escrever quando estivesse friozinho, e no dia seguinte ouvi na íntegra pela primeira vez A Love Supreme, que John Coltrane humildemente dedicou a Deus. Até hoje quando passo pela escadinha que conduziria ao apartamento e à gaveta do computador, sobre a qual comecei a escrever este livro, penso em Resolution, em ter um propósito e nas cartas de Vargas Llosa, quando ele sugeria que a vocação literária deveria ser tratada como uma servidão livremente escolhida por suas ditosas vítimas, e que só aqueles que se dedicam à literatura como a uma religião, dedicando seu tempo e esforço, seriam capazes de escrever uma obra que os transcenda. Acontece que a minha caneta travou, e entrei num desespero e vazio pós-um-pouco-eterno-livro por achar que nunca mais seria capaz de escrever nada. Foram madrugadas e madrugadas insones, de vazio literário, mas continuei escrevendo neste caderno, e as páginas foram cobertas de lamentos e anseios e como na falta do teclado, a caneta corta igual, fatiando meu coração no vazio das madrugadas, aqueles escritos todos foram condensados em quinhentos caracteres, que gerou o conto de mesmo nome, publicado dia 1° de dezembro no Contos de Algibeira, na Alameda dos Escritores, perto da fonte onde fiz um pedido (mas isso é assunto para outros posts). Na sequência do conto, assinalei que a musa não aparece, Deus está de greve e também entrei na paranoia de não ser mais capaz de escrever por não ter musa. Escrevi em algum lugar perdido neste caderno que a musa ia aparecer antes da conclusão da narrativa. No dia 12 de junho de 2008, meses depois de eu ter trabalhado em uma livraria e meses antes de trabalhar com o queniano Roger na Feiarte, Dia dos Namorados e um dia antes do Dia de Santo Antônio, Deus saiu de greve. Mas a narrativa continuava trancada, difícil de sair.

Foi quando pela primeira vez tentei uma bolsa para escrever um livro, tinha apenas a 1ª versão de 1/3 do livro. E não ganhei. Então, no mesmo dia, me determinei a escrever este livro de qualquer maneira. Até ali, o texto já havia sido escrito em dois apartamentos do Pombal, no caderno entre mesas de cozinha e a tal bancada com a gaveta do computer, mais um trecho - não posso deixar de registrar - sentado de costas para o Centro Cívico e de frente para o Nahuel Huapi, em Bariloche, entre abril e maio de 2007, para finalmente migrar para o computador, onde foi escrito o restante. Então tentei uma bolsa pela segunda vez. E pela terceira, e pela quarta. Não sei se recusaram o texto ou o projeto. Mas penso em tentar uma quinta vez. Afinal, o que recém terminei foi apenas a primeira versão - versão é contar a história do início ao fim, a história inteira, como disse Hemingway e aprendi lendo a Bíblia. Então, acho que ainda tenho meses de trabalho. Que bom. Como disse Llosa, a maior recompensa da vocação é o exercício da vocação. Claro que também contou, no início deste mês das vocações que já está acabando, ler sobre o poder mágico dos prazos destes caras que escrevem um romance em um mês, o outono deles, mesmo outono (e fim de verão) sobre o qual escrevi, e me determinei a terminar o livro (bem, pelo menos a 1ª versão) até o fim do mês, et voilà.

Quando comecei a contar a narrativa - a história acabou tomando outros rumos, que bom, sinal de que ela se emancipou de mim - tinha imaginado I'll be over you para orquestrar uma cena de beira de estrada, perto do fim, e hoje vou ouvi-la, caiba ela ou não. Então para encerrar minha estada na Catedral, em meio a pessoas perplexas que passam para rezar, agora são 11 e 23 e o meio-dia me chama, queria deixar um abraço afetuoso para o Marcelo Martins, meu grande amigo e colega de Resistência & Perseverança nesta floresta que é a literatura (e, por que não, a vida) e que leu e resenhou grande parte do meu novo rebento. E claro, beijos para minha querida Alice, que sempre me diz para continuar escrevendo, sinal de que tudo vem a seu tempo. Na pauta dos próximos dias, conforme o tempo e minha boa vontade permitirem, estou pensando em ir até a sala de estudos/aquário do curso em que estava estudando e eu mesmo canetear as folhas impressas e ver o que fica e o que sai para uma próxima versão. Também temos outro celeiro para o qual ainda não tinha mandado meu rebento anterior, que pedia uma sinopse que eu não tinha, mas agora tenho, e a luta continua. Por fim, depois de gravar o Requiem de Brahms para a presidente da Distant Thunders Corporation, acho que vou lavar aquelas xícaras estilosas que ela trouxe de Buenos Aires e estrear com um café celestial, talvez acender um incenso, quem sabe fazer uma oração. Com certeza agradecer. Foi um longo caminho até a frase final, mas: conseguimos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O Arqueiro e a Donzela

Aproveitando a Sexta-feira 13, e porque a minha tchutchuka disse que estava na hora de atualizar este blog, para matar as saudades, ficção. O conto abaixo foi escrito há dez anos, e tive que digitá-lo palavra por palavra, tudo de novo, já que o Omni Page não funciona muito bem quando o texto impresso está repleto de anotações a caneta (ele foi fruto de seminários de criação que tentamos manter, mas duraram só algumas semanas). Escrevo diferente hoje (e pontuo diferente também), mas foi bom matar as saudades – não relia o conto há cerca de oito anos. Aproveito para deixar como lembrança ao Ricardo Azevedo, que foi no meu ex-colégio para divulgar seu “Coração Maltrapilho”, em 1992, e lembro de um colega ter perguntado a ele que conselhos daria para quem queria se tornar escritor, e 18 anos depois tive a honra de encontrá-lo na internet e dizer que sigo escrevendo.


O ARQUEIRO E A DONZELA


— Não estou mais no serviço.
— Está sim. Seis horas, entendeu? Seis e dez, o dinheiro será depositado.
— Já entendi e já disse que vou estar lá. E agora esqueça esse número – ele diz e bate com o gancho do telefone.

Sobre o terraço quadrangular do prédio, Oliver se posiciona, aproximando-se da beirada. Focaliza a janela do outro lado da rua, metros abaixo. Relaxa a musculatura das costas e constrói sua posição. Chupa o dedo para medir a direção e velocidade do vento. Ergue o arco, com a mão esquerda agarrando a empunhadura com firmeza. Inspira forte o ar, que entra suave preenchendo os pulmões. Postura e respiração. Ele pega uma flecha e a coloca entre o arco e a corda. Com os dedos indicador e médio, Oliver prende a flecha e a puxa, junto com a corda. Armazenando energia para o disparo. A janela do outro lado da rua cresce em sua retina.

Oliver dispensa alguns minutos se concentrando. Já são quase seis horas. O velho aparece na janela com uma garotinha, sua neta. As cadeiras são postas na pequena sacada em frente e, entre elas, uma mesa artesanal circular com a tampa feita de vidro. Sobre ela, uma jarra cheia e duas xícaras. Oliver abaixa e torna a erguer o arco, procurando a posição ideal.

O sino da igreja ao horizonte anuncia a primeira das seis badaladas. O arqueiro puxa a corda rente ao ombro para alinhar a mira. Velocidade e precisão. Ouve a segunda e terceiras badaladas imóvel. O velho enche o copo da menina. Ela sorri para ele. Oliver espera até o penúltimo golpe do badalo no sino. A garota olha para o terraço do edifício. Ele dispara. A flecha não vibra muito no ar. Mais pesada que as tradicionais, ela percorre devagar o percurso, mantendo-se estável à influência do vento. A ponta de metal banhada em veneno ruma para o coração do velho. Antes dela completar a metade do caminho, Oliver leva a mão à testa, dando um tapa. Começa a correr. A flecha acerta a jarra de vidro, produzindo um vendaval de estilhaços. A garota começa a chorar e aponta para o terraço.

Oliver pula para o terraço contíguo, calculando mal a distância, fica dependurado do tórax para baixo. Joelho fraturado. Suas pernas se debatem no ar a procura de um chão. Tenta erguer os ombros, arranhando todo o peito e barriga. Sente a pele misturando-se ao tijolo. Com o bico dos pés patinando sobre a parede, ele consegue o impulso necessário e eleva seu corpo até a beirada do terraço, jogando a si e ao arco ali dentro. Oliver rola pelo concreto gemendo de dor. As flechas não usadas se esparramam, junto com o sangue de seu joelho.

O som estridente das sirenes das viaturas inunda ao redor. A polícia se espalha pela quadra, formigas prestes a devorar o corpo do inseto moribundo. Vasculham o prédio, cercam a área e interrogam o velho, enfurecido. Delimitam o perímetro e a presença dos curiosos. Um homem mancando sai de um dos prédios e se dirige a um telefone público. Disca um número e fala algumas palavras ao gancho. Ofegante. Ao concluir a ligação, dirige-se a um beco próximo e, entre as latas de lixo, esconde o arco. Com muito esforço, ele caminha até perto do prédio em que a polícia diz ter havido uma tentativa de assassinato. Permanece entre as árvores, observando. E aguarda.

Anoitece. A polícia vai embora. O sangue coagulado na perna do arqueiro repuxa a pele toda vez que é imposto algum movimento. O velho sai acompanhado de vários amigos e seguranças. Ele é recebido por um luxuoso carro preto e duas elegantes mulheres. Abraços e risos. A porta do carro se abre para que o velho entre. Oliver chupa o dedo e ergue o arco. Dispara a flecha, que sobe quase horizontalmente. Ele bate forte com o pé no chão e se apressa em pegar outra flecha. Raspa o polegar pela pena, enquanto acompanha com o olhar o curso de seu primeiro disparo. A flecha faz um semicírculo no ar e atravessa o vidro traseiro do carro. Oliver torna a atirar. As pessoas em frente ao vidro gritam assustadas. Olham para os lados procurando a origem dos disparos. Quatro homens sacam seus revólveres e mandam o velho se abaixar. No entanto, ele apenas ergue sua cabeça, contemplando a segunda flecha se aproximando. O único a notar a presença dela mergulhando em sua direção. Com o queiro erguido, mal consegue notar quando a flecha perfura sua traqueia. As duas mulheres gritam, os homens se voltam para saber o que aconteceu. O velho começa a se debater. Emitindo pequenos grunhidos, a garganta insiste em censurar a voz. Os homens tentam acudir, agarrando o corpo histérico. O velho desaba sobre a calçada. Seus braços param de se mover. A garotinha aparece na janela. Oliver vai embora.

Logo após depositar o arco dentro de um terreno baldio, ele caminha de cabeça baixa para longe dali. Seu pescoço e coluna doem, sua perna parece querer trazê-lo para o chão. Seus braços estão pesados, sua garganta está seca. Ele continua sua caminhada. Sobe no ônibus e deita a cabeça no vidro.

A viagem é breve. Oliver desce e segue pela calçada. A sua frente, um casal adolescente. O namorado possui braços grossos e uma estatura privilegiada. A garota é magra e veste um macacão. Ele se dirige a ela, em tom ríspido, falando alto e a puxando pelo braço. A garota faz menção de chorar, mas nada diz. Oliver observa que ela está sendo conduzida pelo lado de fora da calçada.

— Ei, jovem – disse Oliver –, quando você estiver andando com uma mulher, ela deve ficar pelo lado de dentro da calçada.

Os dois se viram e ficam olhando para Oliver, que conclui:

— Não caminhe com ela pelo lado de fora. É desrespeitoso.

O namorado cerra o punho e avança sobre Oliver, que permanece estático. A garota apenas observa. E vê o estranho homem se desvencilhando, pegando o braço de seu namorado e o torcendo com força, para logo em seguida arremessar ele e sua estatura privilegiada inteiros sobre o pavimento. Suas costas permanecem soldadas ao chão. Antes que possa levantar, Oliver coloca o pé sobre o jovem e diz:

— Aja como um cavalheiro.

E prossegue sua caminhada.

Dentro da mansão, o homem de terno sentado à poltrona entrega o envelope com dinheiro a Oliver, que se levanta do sofá e abre a porta da sala, sem se despedir. O homem o interpela:

— Então eu posso ligar para combinarmos um jantar?

Oliver se vira e diz, antes de ir embora:

— Eu já disse para esquecer o meu número. Se aquele telefone tocar, eu volto aqui. E não vai ser para um jantar.

Oliver destranca a porta da frente de sua casa, adentrando a sala. Caminha até um dos quartos. À meia luz, ele coloca o pônei de brinquedo ao lado da cama, com cuidado para não acordar a criança. Senta sobre o canto da cabeceira e beija a menina na testa. Ela se vira, pronunciando algumas palavras sonâmbulas. Oliver se retira.

Acende a luz e olha para a cama de casal. A mulher ali deitada acorda, mas nada diz. Ele se aproxima e a encosta no braço. Ela mostra-se para ele, denunciando os olhos inchados.

— Está atrasado – a mulher diz.
— Eu sei. Passei agora no quarto da Michele. Trouxe um cavalinho de aniversário para ela.
— A Michele não precisa de um cavalinho. Precisa de um pai.
— Eu sei.
— E eu preciso de um marido.
— Eu sei. Me perdoe. A hipoteca da casa já está paga. Adiantei seis meses. – Oliver põe a cabeça da mulher em seu colo e a afaga. — Fiquei preso no serviço, os gerentes convocaram uma reunião de última hora lá no banco.
— E lá no banco não existe telefone?
— Sim, existe. É que... eu achei que não fosse demorar. Me perdoe. – Ele alisa os cabelos dela com a mão de forma suave —Tudo vai ficar bem.
— Promete?
Oliver sorri.
— Não se preocupe. Amanhã mesmo eu procuro um novo emprego.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Um livro em um mês

Começando o mês das vocações, descobri esses carinhas que escrevem um livro em um mês. Imagina, no ano retrasado, dos 119.000 participantes, 21.000 conseguiram cruzar a linha de chegada, ou seja: escrever um romance de 175 páginas, com 50.000 palavras, de 1 de novembro até 30 de novembro. Para ter uma ideia, o um pouco eterno livro tem 59.168 palavras, escritas ao longo de quase 3 anos. É evidente que a ideia do projeto não é qualidade, e sim quantidade, como eles deixam claro no site. Mas que deve ser uma aventura e tanto, deve.

O problema, penso, não é a velocidade em si e sim casar as ideias, dar unidade aos parágrafos, criar diálogos com realismo e fluência, personagens que estão ali por algum motivo. Palavras, enredo, atmosfera. Digito relativamente rápido, sem olhar para o teclado, o que tem me afastado (e me dado saudades) da escrita à munheca. Mas acabei descobrindo um brinquedinho muito legal para acelerar a digitação, que deixo como presente para o Marcelo, fiel defensor do caderno. Na verdade, escrevo no caderno religiosamente toda quarta, dia de oficina. E tenho que retomar minhas missivas (sim, eu sou um romântico). Enquanto isso, quem sabe não me estipulo um mês para escrever um livro? Como disse o diretor Shekhar Kapur, somos as estórias que contamos a nós mesmos.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Dia do Escritor Atrasado

Em homenagem ao Dia do Escritor, que foi ontem (e, claro, celebrei produzindo ficção), deixo o professor Stephen Koch, que sempre reservava uma parte de cada workshop para alertar seus alunos sobre o perigo de seguir a vocação literária, das dolorosas recusas, do pouco ou nenhum dinheiro e da probabilidade de fracasso, vendo a turma inteira murchar na cadeira. Até que um aluno corajoso o encarou em uma conversa particular:

"Professor Koch, há algo que o senhor parece não entender. Eu sei que sua intenção é boa, mas esse negócio de que nunca vamos chegar a lugar nenhum, que nunca vamos ganhar um tostão, que ninguém nunca vai nos dar a mínima - o senhor acha que é novidade para nós? Acha que nunca ouvimos falar disso? Todos nós temos um tio lá fora que vive nos dizendo exatamente as mesmas coisas, o tempo todo. Talvez o senhor saiba mais e se expresse melhor, mas, basicamente, está nos dizendo o mesmo que esse tio nos diz. Ouvimos isso desde o dia em que lemos aquele livro que nos empolgou e nos fez querer ser escritores. Todos nós temos alguém que não para de repetir: 'Esqueça, não vai dar certo, você vai fracassar'. O senhor acha que ninguém nos diz como é difícil? Que ninguém nos previne do fracasso? Todo o mundo faz isso. Precisamos é de alguém, de uma só pessoa, talvez o senhor mesmo, que não nos diga isso, alguém que, pelo menos uma vez, nos diga que é difícil, mas não impossível. Alguém que diga 'vá em frente'. Que diga que é ótimo fazer isso, que é a melhor coisa a fazer, que não há nada melhor, que nos diga para tomar coragem e fazer. Alguém que não olhe para nós pensando que somos um bando de pirralhos fantasistas e autocomplacentes, que devíamos jogar a toalha, sermos simplesmente bons moços, estudar direito e crescer. O senhor receia que estejamos iludidos? Tudo bem, estamos iludidos. Mas faça um favor: deixe-nos iludidos, porque nós vamos continuar."

Enquanto isso, estreando erva nova e tomando um drink, seguimos na luta.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Dia de Saramago

Veja que interessante. O plano para hoje, seguindo o roteiro de leitura estabelecido meses atrás, e agora que terminei o
clássico maior de Chandler - grande livro, aliás -, era iniciar meu primeiro Saramago, que na verdade já está na estante há vários natais. Então pensei em preparar meu espírito, relendo as reportagens em cima da mesa e abaixo da minha pequena biblioteca, e descobri em seu blog que todo dia 18, durante nove meses, é dia de Saramago.

Hoje é dia 19, mas acho que ele não ia se importar muito com isso.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Dia Mundial do Rock

Hoje é Dia Mundial do Rock. Paradoxalmente, aqui no Brasil também é dia das duplas sertanejas (pelo menos era quando o Guia dos Curiosos foi originalmente publicado). Aí, talvez pensando na Resistência, sobre a qual sempre troco missivas eletrônicas com o Marcelo, fui ouvir as músicas de meu camarada Daniel Ferrera - já que hoje também é dia do sertanejo, vale a dica), e não é que o cara canta bem mesmo?

De qualquer forma, para você que pretende ainda estar sentindo arrepios ao ouvir guitarras distorcidas quando chegar aos 80 anos, aumente o som.

Enquando penso em republicar alguns contos do Distantes Trovões (agora que aprendi a colocar links, podia até colocar trilha para os textos), seguimos resistindo. Acreditando, perseverando, semeando, arando a terra. Subindo a montanha. Como diz minha tchutchuka, it's a long way to the top.

sábado, 10 de julho de 2010

Conselho Literário

Dicas do Tio Assis:

1. Ler apenas quem escreve melhor do que nós.

2. Tentar descobrir nossa "medida", isto é: o meio caminho ideal entre ser explícito e ser obscuro. Quem descobre a medida, como Hemingway descobriu, ganha o Nobel.

3. Ler, ler muito. Escrever, escrever muito. Todos os dias.

4. Escutar os outros sobre nossos próprios textos. Mas esses outros precisam ter duas qualidades complementares: a) competência para análise de textos literários; b) sinceridade. É raríssimo encontrar pessoas com ambas qualidades.

5. Escrever aquilo que se gosta de ler. Se gostamos de textos simples, por que escrevermos complicado?

6. Ter sempre um caderno de notas no bolso, ou algo semelhante. Ele deve ficar à nossa cabeceira, à noite. As idéias nos alcançam quando menos esperamos.

7. Saber que o sucesso e a qualidade literária pertencem a universos diferentes.

8. Fugir da vida literária; isso só desintegra o fígado e cria inimigos, além de ser uma colossal perda de tempo.

9. Criar espaços (emocionais, físicos, cronológicos) para exercitar a literatura, mesmo que isso signifique abdicar de coisas aparentemente necessárias.

10. Pensar como escritor, isto é, conotativamente. Deixar o pensamento dedutivo apenas para quando estivermos estruturando nosso romance. No plano textual, usar de preferência conjunções coordenativas, em vez das subordinativas.

Em tempo: você aí, que não bagunçava tanto na 7ª série, lembra a diferença entre coordenativas e subordinativas?

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Trezentos Segundos & Michael Jackson

No dia em que completa um ano da morte daquele que, como disse o fundador da Motown, foi o maior artista que já viveu
e lembrando a filha de Martin Luther King incitando para que todos possamos ser inspirados a seguir e deixar nossa luz brilhar, na semana em que decidi voltar ao saudoso mundo das oficinas literárias, vai um conto para matar as saudades da ficção. O texto abaixo tem dez anos, do tempo do Tio Assis
e não foi publicado na primeira versão deste blog (embora suspeite que ele tenha sido publicado no Leia-me. Estou certo, Divan?).


TREZENTOS SEGUNDOS

PERSONAGENS:

CASCATA: o marido. Negro, traficante.
BETTY: a esposa. Branca, preocupada.
LISA: a filha. Meiguinha, 7 anos.
GEZEBEL: a vizinha. Fofoqueira, gostosinha, cabelos lisos.
OSÓRIO: o policial. Novato, impulsivo, capricórnio.

ATO I:

Começo de noite de terça. Da beirada da mal cuidada varanda de sua casa, Cascata olha para baixo, contemplando as malocas que preenchem toda a extensão do morro; dos pés à cabeça, como se tivesse sido coberto por um lençol de casas marrons e enfadonhas. Cacos, não casas. Ao voltar-se para além da porta da sala, ele percebe que sua mulher ainda não havia parado de falar. Manda a vaca calar a boca. Ela não obedece. A filha sai pela porta da cozinha. Cascata aproxima-se e a esbofeteia. Sim, a vaca. Mulher tem que tratar assim, senão não respeita ninguém. Ele volta para o quarto e termina a garrafa de cachaça inaugurada dez minutos antes.

Betty diz uma coisa qualquer, reclama de uma coisa qualquer. O marido faz que não é com ele, mudo na varanda. Ela continua falando até que ele se vira e grita para ela ficar quieta. Betty abala-se e diz para a filha ir brincar na rua. A discussão se acalora. Ele pula em cima dela e a espanca. Sim, o estúpido. Vai para o quarto, sem parar de ofender e humilhar a esposa e continua bebendo. É só o que ele sabe fazer mesmo. Homem ignorante não dá pra conversar. Todos uns covardes, batendo em mulheres. É por isso que homem tem que ser corno. Todos eles.

Lisa apaga a luz de seu quarto e segue em direção à sala, onde vê o casal discutindo. Sua mãe ordena que ela vá para a rua. Ela vai. Na porta, está a vizinha que a conduz pela mão até uma outra casa. Segue sem olhar para trás e sem ver seu pai batendo em sua mãe. Mas Lisa pensa que seu papai pode bater em sua mamãe, porque ele é homem e mamãe é mulher. E homem pode. Ele bate na filha todos os dias, mas é porque ela também é mulher.

Gezebel conhece os vizinhos que têm. Ao perceber que a briga das sete da noite começou adiantada, não tarda em adentrar a porta da cozinha e pegar a mão da criança, filha do casal. Gezebel convida-a para ir até a casa onde as duas sempre comem biscoitos, tomam leite com chocolate e conversam. Muito especialmente em situações como essa: Cascata, o Animal, desconta suas frustrações em Betty, a Guerreira, que além de ter que se proteger do troglodita com quem mora, ainda tem que cuidar de Lisa, a Princesinha. Coitada dessas duas. A vida no morro é sofrida e a dessas duas não é diferente. Sobreviventes, é o que elas são.

Osório sobe o morro antes do batalhão, que ainda vai demorar mais alguns minutos, sabe-se lá Deus quanto. A esta altura, o perímetro já foi coberto. Ele segura seu revólver prateado e aperta o distintivo três vezes, como em um ritual. Caminha entre os estreitos corredores formados pelos intervalos entre as casas. Sem saber o que lhe aguarda, mas tendo uma vaporosa idéia, ele segue. Ali em cima, não existem heróis. É o serviço dele, não há escolha. Alguns barracos a mais e ele vai pedalar a porta, pegando o marginal de surpresa. Porque é assim que se faz: vagabundo tem que ser tratado que nem vagabundo. Direitos humanos, o cacete.

ATO II:

Cascata permanece sentado em sua cama, olhando para a porta do quarto e a garrafa vazia deitada no chão. Betty vai até o banheiro lavar o rosto, pressionando o pano com os cinco cubos de gelo contra o rosto. Lisa começa a comer os biscoitos, sentada em frente à televisão da vizinha, que pede licença dizendo que vai buscar um presente. Ao voltar, Gezebel traz consigo um pequeno vestido costurado por ela mesma. Osório focaliza a casa do traficante, estudando o espaço a sua volta.

Cascata passa por Betty. Betty permanece quieta e desvia o olhar de Cascata. Lisa sorri para Gezebel. Gezebel pergunta se Lisa gostou. Osório se aproxima da porta da cozinha. Raiva para Cascata. Arrependimento para Betty. Elogios para Lisa. Agradecimentos para Gezebel. Osório aponta a arma e dá um passo à frente.

FINALE:

Osório grita para que Cascata fique parado, apontando o revólver para o seu rosto. Ele agarra Betty pelo braço e a atira contra o policial, como se fosse um pedaço de roupa suja. O policial desvia-se dela e põe-se a correr atrás do traficante. Betty também corre. Sai em direção à casa de Gezebel, onde provavelmente a filha Lisa estaria. Começam os tiros. A mulher está desesperada, pois já é noite. Dezenas de policiais armados começam a surgir do nada, como se fosse um enxame. Tudo acontece muito rápido, como sempre foi e para sempre será ali em cima: Betty adentra o pequeno pátio de Gezebel, onde se encontram a vizinha, a filha e aquilo que ela chama de marido encurralados pela polícia. Osório está mirando nos olhos de Cascata, que em um gesto rápido pega Lisa como refém. Alguns homens abaixam seus rifles, outros mantém-se na posição. A gritaria prossegue. Osório diz para Cascata largar a menina. Ele jura que vai atirar em Lisa e Osório sabe que ele não está mentindo. O fio da extensão da luz que ilumina o pátio é cortado. Ao olhar para trás, Osório não consegue reconhecer o rosto do policial vendido que o traiu. Os tiros recomeçam, cessando logo em seguida. Escuro. As luzes se acendem. Lisa está morta. Deitada sobre o chão lamacento, sujando seu vestido novo. Betty começa um misto de choro, grito e gemido, tão histericamente quanto um ser humano pode conceber. Não percebe a vizinha ao lado, chorando de dor. Imóvel. Para sempre. Os homens espalham-se rápido, na débil tentativa de capturar Cascata. Osório baixa a cabeça. Por que não foi ser carpinteiro? Não existem heróis ali em cima. Uma ronda a mais, um corpo a mais, uma história para não ser lembrada a mais. Eles sempre fogem. A caçada se prolonga. A luta também.

E nunca termina.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Don't cry for me, Argentina

Talvez você ache que este é um blog turístico – está começando a ser –, mas o caso é que a presidente da Distant Thunders Corporation está embarcando, no momento em que escrevo com a televisão desligada e ouço fogos estourando (Brasil x Coreia, rá!), para a cidade na qual fica o café onde Borges ia e depois curtir um pouco de neve, na cidade onde escrevi um trecho do meu rebento na frente do Centro Cívico três anos atrás, um trecho que na verdade nem sei se é relevante para a narrativa – vale mais pelo registro histórico.

Enfim, retomando meu anseio por ficção, comecei ontem o Vestido de Noiva, que peguei emprestado com a minha tchutchuka, e já estou mirando a obra-prima de um dos gigantes da literatura noir, gênero da literatura que descobri tardiamente, mas que aprendi a amar, desde que li O Jardim do Diabo, e antes quando li o Wolverine de Frank Miller e Chris Claremont [não é uma obra noir exatamente, mas os quadrinhos têm muito daquela atmosfera e voz], e as histórias começaram a se proliferar em minha cabeça. Revi Vargas Llosa falando que sua vocação é transpiração, e da entrega, exigência e perseverança que o exercício do ofício literário demandam. Escrever não é mole, malandro. Ainda quebro a cabeça tentando levar um personagem de uma esquina a outra, fazendo os cálculos de que horas ele deve estar no lugar x para conseguir estar no lugar y na hora tal, se isso tudo afinal é verossímil, não é clichê, não é forçado, e se é isso mesmo o que quero escrever.

Começou a farra nos arredores, mais fogos estouram. Sim, acho que é isso o que quero escrever, e sigo na busca. Mais uma frase, mais um parágrafo, mais um dia, mais uma história.

Enquanto isso, reserve um tempinho para ler a defesa dos livros de papel e do romance por um apaixonado, como eu, e esqueça os milhões que entram na conta daquela rapaziada só para brincar de jogar bola.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Para quem quer resistir

A minha intenção era mostrar que o conformismo, a acomodação são mais destruidores do que qualquer outra coisa. Entregar-se é a pior atitude que ocorre a um homem. A entrega deteriora, desgasta, esfacela. No entanto, você levantou também uma outra interpretação que pode ser aplicada ao livro: determinadas engrenagens esmagam o homem. Mas aí é que está, o homem precisa resistir, principalmente se você tiver alguma lucidez, visão do mundo, reflexão. Quem enxerga mais tem o dever de alertar, de conduzir e não pode se deixar levar. Importante é: uma obra pode levantar quantas teorias forem possíveis a seu respeito. Cada leitor que abre o livro passa a recriar esse livro; e esta é uma das características da obra de arte: ser aberta, permeável.

Ignácio de Loyola Brandão, entrevista a Edla van Steen. In: Viver & Escrever – vol. I. Ed. L&PM.

Resista você também.

By the way: já deixo a dica de dois amigos que também resistem, Marcelo Molina na pintura, e Rodrigo Barcellos na literatura.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

RIP, Uruguai & Disciplina Literária

Esta é a semana de aniversário de 17 anos do RIP, o personagem cuja autobiografia rendeu meu primeiro conto e uma reprovação em biologia no fim do ano. Pensei em republicar “Os Quatro Cavaleiros” em homenagem, mas por enquanto aproveito que a mãe de nome erudito foi passar o feriadão no país de Horacio Quiroga, e lendo a coluna de Cássio Pantaleoni no portal Artistas Gaúchos sobre a pouca bagagem literária dos muitos que querem escrever, mas poucos querem ler, sigo tentando retomar minha leitura de um conto por dia antes de dormir. Vejo como faz falta leitura & produção diárias. John Coltrane dizia que se você passar um dia longe de seu instrumento, ele vai passar uma semana longe de você. Parafraseio, traduzindo para literatura: se você passar um dia longe de seu texto, ele vai passar uma semana longe de você. É verdade. Estou há dias preso em um diálogo entre dois personagens sobre uma ponte, que parece não andar. É claro, como li na Bíblia, a gente tem que escrever e seguir em frente, lutando contra a insistente autocrítica, resistir à voz que declara o texto enfadonho, chato, clichê.

Sábado teremos Solitude, de volta aos palcos do Brothers, vou matar um pouco as saudades das baquetas, embora confesse que coisas assim me fazem pensar seriamente em nunca mais tocar bateria. Bem, entre uma música e outra, talvez dê para treinar alguns backsticks. Enfim, a gente tenta dar nosso melhor a cada dia. E um dia de cada vez, é possível.

domingo, 16 de maio de 2010

Albatroz

No dia em que o navegador Nicolai completou 60 anos, ele caminhou sorridente pelo convés de seu navio e desceu até a cabina onde descansava sua esposa Natasha. Chegando lá, constatou que ela não estava. Olhou em volta, contemplando o casco da embarcação e viu um livro com capa de couro, repleto de anotações feitas à caneta com uma caligrafia feminina. Esticando seus robustos braços, Nicolai começou a ler os rabiscos do pequeno livro, onde dizia “não posso mais esconder esse segredo de Nicolai. Devo contar a ele sobre Mike. Deus, perdoai-me por ter abandonado tão formidável pessoa. Estou no mar há três meses e não consigo imaginar mais minha vida sem ele. Não há um dia sequer em que eu não pense nele, no seu cheiro, no seu toque. A cada momento, minha angústia aumenta, pois não consigo me livrar da culpa de tê-lo deixado. Deus, dai-me forças para contar e faça meu marido entender que...”

Natasha entra na cabina. Nicolai dá um soco no livro e grita “Mike”, olhando para ela. Ela olha para o livro no colo do marinheiro e retorna o olhar, levantando as mãos e pedindo para Nicolai se acalmar. “Mike”, ele grita uma vez mais, levantando-se. “Não é o que você está pensando”, diz ela erguendo os braços e protegendo o rosto. Nicolai a pega em seus braços e a esbofeteia. Natasha grita para ele parar. Ele bate mais forte. Ao sair da cabina, sobe as escadas e caminha em direção ao convés, lá permanecendo até o anoitecer.

Segurando no corrimão da proa, Nicolai fita a linha do horizonte, o infinito do mar, respirando fundo a brisa. Passaria ali a noite inteira imóvel, sob o vento frio do Sul, de onde o navio retornava. Vez ou outra, baixava os olhos e escutava Natasha chorar lá embaixo, em sua cabina. Nenhum deles disse uma só palavra durante a noite que pareceu se esticar por toda a eternidade. O barulho dos suspiros contidos dele perdiam-se em meio às pequenas ondas que batiam no casco do barco. Oriundo de uma família de pescadores do norte da Sibéria, ele havia conhecido Natasha em uma de suas viagens a Bielorússia, terra natal dela. Filha única de um casal de mercadores, ela fugiu de casa aos 20 anos para viver com Nicolai, contra a vontade dos pais, que odiavam o marinheiro. E sempre confidenciava: havia apaixonado-se por ele por causa de seus “olhos verdes de um mar egípcio”. Ele então contava com 55 anos.

Ao amanhecer, o navegador verifica as amarras perto da popa e ouve o ranger da embarcação. Ele olha por sobre o ombro e seu rosto denuncia o erro: um furacão vindo do Leste se aproxima. “Impossível”, ele diz. “Impossível não ter previsto...”. Nicolai não completa a frase. A fúria de Deus invade o oceano. Vagalhões castigam o navio, que começa a sacudir. O vento arranca a vela, arrastando Nicolai pelo assoalho. Ele prende-se ao mastro, tentando alcançar a rede. A tempestade chega rápido, inundando o convés. As cartas de navegação, os condimentos e a bússola são espalhados pelo chão. Nicolai é arremessado para perto da escada, batendo em uma das bordas do casco, fraturando a perna. Ele joga seu corpo para trás, desabando pelos degraus até o corredor de acesso às cabinas. Gritando, põe a mão sobre a coxa direita, percebendo um talho de quase dez centímetros. Contrai a perna com a palma da mão e segue mancando para a cabina, tropeçando no baú perto da porta de entrada, que arromba com uma investida do cotovelo e ombro esquerdos. Natasha grita para que ele fique longe dela. Ofegante, ele diz que não vai machucá-la e avança em sua direção. Ela começa a gritar de forma histérica para ele não encostar nela. Nicolai diz que o navio está afundando. Ela se desvencilha dos braços dele e corre para a escotilha, localizada nos fundos da cabina. “Natasha”, ele diz, vendo-a abrir a escotilha e fazendo toneladas de água serem derramadas pela portinhola. Um grande solavanco quase vira a embarcação, lançando os corpos dos dois contra a parede. Natasha bate de cabeça. Nicolai se engasga com a água salgada, lutando para não se afogar.

Natasha consegue chegar ao convés. Ao olhar para o lado, vê as muralhas de água que continuam atingindo o barco, produzindo nele um lento rodopio. Ela é derrubada e arrastada pelo convés, junto com o mastro que acaba de cair. Levada até a popa, Natasha é jogada de uma borda a outra, conforme o navio vai oscilando.

Nicolai pula sobre o mastro inclinado dois metros acima da água, agarrando forte e se arrastando sobre ele, lutando contra o vento para chegar até Natasha. Ao chegar perto dela, quase encostando em sua mão, o barco sofre outro solavanco, atirando seu corpo para a outra extremidade. Nicolai se deixa cair na água do convés e seguir a correnteza estabelecida ali dentro rumo à popa. Natasha é jogada de volta, colidindo com o corpo do marinheiro, que fica preso na rede de pesca. Ao se desvencilhar, Nicolai vê Natasha dependurada no corrimão da borda, quase já no mar. Entre passos frenéticos e pulos imprecisos, ele a segura pelo braço no exato momento em que ela escorrega do corrimão. O navio treme. “Eu não vou soltar, querida”, diz o marinheiro sem fôlego. “Nicolai”, diz Natasha com o olhar triste. “Aguente firme. Segure meu braço”, grita ele. E então, como se o furacão fosse avisado, há uma breve pausa na tormenta. Natasha olha para o verde de um mar egípcio. “Eu te amo”, ela diz. E cai.

E ele viu almas perdidas sobre a água, olhando com pesar. O vento diminui até se esvair. O navio ainda flutua.


Ao chegar em um vilarejo costeiro, em uma das setecentas ilhas do arquipélago das Filipinas, Nicolai continua a caminhar por entre a rua estreita de pequenas casas. Ele acena para uma mulher velha, de pele rosada, vestindo uma espécie de touca e um avental desbotado. Ela o cumprimenta de volta. Ele se aproxima e pede para falar com Mike. Sem fazer perguntas, a velha pede para o marinheiro aguardar, entrando em sua casa. Ao voltar, a mulher traz consigo um menino de quatro anos. Nicolai olha fundo nos olhos do menino. Olhos verdes de um mar egípcio.




Nota: a narrativa foi inspirada nas melodias de Ghost of Navigator e o nome “Albatroz” foi retirado da música Rime of the Ancient Mariner do IRON MAIDEN. Segundo a lenda, no mar há um albatroz que acompanha as navegações mais ao Sul, trazendo boa sorte. Na viagem de volta ao Norte, o marinheiro matou o albatroz, trazendo consigo uma terrível maldição para o navio.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Mother Russia

No dia em que a proprietária da sede do Distantes Trovões on line e mãe deste que vos escreve está de aniver e foi comemorar conhecendo a outra Mãe, levanto cedo para escrever enquanto o dia nasce lá fora, os passarinhos cantam e a chuva continua.

Então já começo a enumerar a lista de coisas a serem feitas nos próximos 12 dias, antes que o telefone comece a tocar, a saber: rever a Quarta Temporada da série preferida deste blog, começar a leitura de O Livro dos Livros Perdidos de Stuart Kelly, escrever outro projeto para concorrer a uma bolsa – a luta continua –, ver Flight 666 do Iron “Gods” Maiden, seguir escrevendo o meu rebento e responder a carta da minha tchutchuka.

Mais tarde ouvirei pela primeira vez na íntegra o disco de jazz mais vendido de todos os tempos, uma trilha e tanto para dar a dica de leitura de hoje, os textos de meu comparsa Marcelo Martins.

Então para abrirmos os trabalhos, deixo aqui uma singela homenagem a minha mãe e ao meu camarada, guitarrista e colega musical de longa data Giuliano, Mother Russia tocada pela melhor banda do mundo.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Sargaço

Depois de ficar quebrando a cabeça - ainda estou me alfabetizando nessas linguagens de internet - para aprender a inserir links, abro os trabalhos no mês de maio com esses caras, que descobri no blog do Saramago. Um jazz da pesada (não se preocupe, Giuliano, prometo um video de peso para breve. Aliás, acabo de linkar o show do Megadeth ali do post abaixo).

Já aproveito e deixo um abraço para meu comparsa das letras Marcelo Martins, para quem mandei esse video há algum tempo, e com quem troco figurinhas sobre sax tenor x sax alto x literatura, e de quem ainda aguardamos o endereço do blog.

Play it loud.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Novos Começos Again

Pois que depois de sete anos de blig, este blog muda de casa. Forçosamente (não conseguia mais postar no antigo), mas vou considerar como um sinal do Universo, e aqui estamos. Ainda aprendendo a mexer, experimentando, enfim.

Estamos de volta. Na semana em que vi o Megadeth tocando na íntegra o atemporal "Rust in Peace", um sonho de adolescência. Casa nova, depois de ter publicado duas vezes os contos de "Distantes Trovões", ter começado e terminado o um pouco eterno livro - quem sabe este blog não verá meu baby enfim chegar à Terra Prometida?

Para encerrar, deixo uma citação de Nelida Piñon, que bem poderia ser uma epígrafe, e diz tudo:

De alguma forma, todos os dias alguém bate a nossa porta e nos convida a desistir.

Sigo não aceitando o convite.