quarta-feira, 20 de maio de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 171




19 de maio de 2015

23:11

Desde que encontrei no corredor Sarah e a Srta. Vygotsky conversando – eu sabia que elas compartilhavam em segredo as teorias daquele velho tarado –, e Sarah me perguntou à queima-roupa se eu estava escrevendo, na frente da Srta. Vygotsky, que a essa altura já sabe que escrevo, e não tenho mais como fingir que não escrevo sozinha no quarto, estava para vir aqui escrever. Qualquer coisa que me livrasse da dor. Escrevo por isso. Lembrar, se lembrar algum dia, é lucro. Gostei de ver Sarah, a psicanalista que me enlouquece por quem nutro amor e ódio.

Eu disse amor?

Talvez. Talvez nem tudo tenha se perdido. E conforme vou escrevendo, na certeza de que ninguém vai ler esta merda, os pontinhos vão se juntando, como Sarah disse que aconteceria, se eu escrevesse. Tenho que escrever para ela para completarmos o plano – descobrir o mistério da pequena Clara. A garotinha que ficava ouvindo sua mãe tocar piano, enquanto chorava – mãe e filha, talvez escondidas uma da outra. O piano que volto a ouvir.

Sarah e a Srta. Vygotsky conversavam em um destes corredores que às vezes me parecem incrivelmente longos, e acho que vi elas conversando lá embaixo, em volta do chafariz que Cheshire adora. Então, a Srta. Vygotsky, que está de aniversário daqui a alguns dias, retirou-se para uma de suas explanações e a Garota Que Caminha Em Câmera Lenta me convidou para assistir. Fui. Caminhamos até lá, e fui conduzindo Miss Daisy, como gosto de me referir a Lady Brownie cada vez que a ajudo pelos corredores. A Srta. Vygotsky falou sobre um documentário em que havia uma aluna jovem, nordestina e pobre, poetisa genial, cujos professores duvidavam de sua capacidade...

Pausa. Cris bate na porta. Está escrevendo, pergunta ela.

Suspiro.

Ela quer conversar.

Quero fugir.

Preciso continuar escrevendo. Quero pular os muros. A dor não passa.

Ela disse que estava com saudades.

Cris que de alguma forma gosta de mim.

Que já pensei até que poderia ser minha irmã.

Volte a escrever, disse ela.

Então pensei na garota que a Srta Vygotsky havia falado e que os outros professores achavam que ela não teria capacidade para escrever aqueles belos poemas. Brownie disse que isso estava sob medida para eu escrever. Tipo assim, quem sou que ninguém acredita? Se alguém lesse, pensaria que é a louca que escreve trancada no quarto? Alguém acreditaria em mim?

Alguém acreditou em Clara quando ela disse que não gostava do que Claudius fazia com ela?

Maria, a mãe, acreditou?

Suspiro de novo.

Papai que brincou com a filhinha feito papai que brinca com a mamãe.

Filho da puta, maldito.

Então, me pergunto: quem sou eu dentro da história que conto?

Já me ocorreu que Maria, a mãe, pode ter sido abusada por seu pai, e como não contou, ou contou e não acreditaram, ela passou a desgraça para a pequena Clara. Que não contou ou contou e não acreditaram. O Dr. Claudius? Jamais.

Mas também me ocorreu que Clara é parecido com Lara, a titia putinha que deu para o papai na noite de réveillon e fez ele tomar um champanhe depois de dez anos sem beber uma gota. Clara é parecido com Lara.

Mas também é parecido com Claudius.

E se Claudius e Lara geraram Clara?

Será esse um dos mistérios desta história horrível?

Sarah diria que, de alguma forma, escrevo para encontrar minha mãe.

Minha.

A família que se perdeu no incêndio, esse que especulo que deve ter acontecido, talvez o mesmo que seja o destino desta história. Não sei o que é verdade ou ficção, apenas vou escrevendo.

Meu deus, como odeio esta história.

A Srta. Vygotsky, Sarah, Brownie, Cheshire, Cris, Acacia, Blossom e tantas outras que aparecem nesta história e somem rápidas feito meus suspiros, todas elas: escondem de mim o que procuro. Talvez se juntar elas todas monte este quebra-cabeça. Como uma dessas brincadeiras que os psicólogos dizem para as crianças fazerem, tipo, desenhe uma casa, um homem, uma mulher, uma criança, monte com bonequinhos, veja o que eles fazem.

Talvez Clara, se chegou a ir em algum psicólogo, tivesse montado o bonequinho se esfregando na bonequinha. Meu deus, o bonequinho comendo a bonequinha.

Será que ninguém naquela merda viu que a garota estava sendo abusada?

Talvez tenham visto. Mas fingiram que não.

Ou não quiseram ou não puderam.

Como eu.

Que não quero ou não posso continuar escrevendo. Sarah sabe disso. Talvez a Srta. Vygotsky também. Cris deve saber, às vezes parece que ela me entende mais do que qualquer uma aqui. Suspiro de novo. Não tenho vontade de chorar. Só queria que a dor passasse. Queria dar uma volta pelo chafariz, mas Cheshire deve estar dormindo. Ou passeando escondida. E rindo. Lady Ballet talvez dançasse. No escuro, soberana feito a madrugada.

Maria, a mãe, talvez tivesse um segundo nome.

Maria Madalena?

Maria Catiúcia?

Maria Francisca?

Maria, a mãe. A dor não passa. E agora é muito tarde para tentar pular o muro. A madrugada se inicia, mas agora eu sei: chegamos um pouco mais perto daquele abismo hoje.

E vou encontrar minha mãe, Sarah.

23:52

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Piano For Little Clara - Day 169

(Traduzido e enviado parágrafo Albert Bandura em Stanford .. :)

#PianoForLittleClara




Friday, May 8, 2015 00:37 Maria back to the room. To this horrible story. The cold weather returned. I spoke today with Sarah and sometimes she has the rare gift of letting me worse than I am. Bitch. The bloody hell psychoanalysts. I swear I thought I was going to kill her and stop this pain. But maybe it does not end anything and maybe - and I hate her a little for him - all this mud where I get sometimes after we speak is part of a larger plan. As the end of the pain. If there is an end. The end that I seek and from which I escape: the mystery of little Clara The end of all this story, which revolves around itself a terribly misspelled history that never comes to anything. But for some reason I keep writing this shit. I read some excerpts from a guy named Bandura, speaking of motivation and daily use to monitor yourself. I do not know, I thought my motivation to write, the first motivation is to get rid of the pain. Pain that gets stuck inside me, Mary Stuck itself. But I also write to remember. This is the second motivation, I think. Then we have the diary, which is more or less what I do here. I do not feed me secret that someday someone will read it here. Perhaps an unconscious level, whatever.


God, Sarah, fuck off. I'm going crazy, bitch.

Maybe I should tell her, but I think we're saying here is how to tell her. So maybe because of it, deep down, I write.

So maybe this dream-nightmare is not just a dream, and one day I explain to the world what is the story of Clara. This little story I try to write here every night, or dawn, when bursts of pain.

Maria overflowing.

Maria looking out the window in the dark.

Where I think I saw Clara playing in the square for the first time. The slide. And Mary, the mother, the beautiful Mama, Mama the best in the world, she waited on arrival, then packed on the swings, as once in a padded bed Clara. Mary, the mother, who told stories to his daughter Clara. One of the two, who knows both authors could have made. It would be an interesting ending to this story.
I tremble as I write this.
Perhaps there is hope after all.
I take a deep breath.
I want to cry.
After all.
Maria Who looks out the window.
Looking for the most beautiful princess in the world.
The princess was lost at the top of the castle.
Alone.
But we can still get up there, little Clara.
And let's go down together.
As a mother and daughter.
And that's when I start to cry.
00:54

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 170




Segunda-feira, 11 de maio de 2015

20:39

Tive um sonho hoje.

Eu estava em um palco fazendo o que disse que nunca farei: falando sobre a história da pequena Clara. Era como uma dessas aulas que a Sarah de vez em quando dá, e a Garota Neutron também. Quer dizer, Neutron é como eu (todas podemos ensinar alguma coisa, se quisermos), mas havia uma outra, que já vi dando explanações por aqui. Ela também é uma Garota Que Sabe Das Coisas, mas não é baixa como a Garota Neutron. Na verdade, ela é alta, de sorriso grande – não tão grande como o de Cheshire, mas grande também – e loira, como se houvessem derretido ouro e colocado sobre sua cabeça. Ouvi ela falando sobre um russo, acho que era Vygostky. Como não sei seu nome, e isso tampouco importa, ela será a Srta. Vygotsky. Mas acho que ela também gosta daquele velho tarado que Sarah gosta, porque ouvi ela falando sobre o trauma ser uma inundação de dor e por isso a gente esquece – que é mais ou menos o que Sarah me sugere que aconteceu comigo.

Mas não era isso o que eu queria contar.

No sonho, a Srta. Vygotsky me convidava ao palco para eu falar sobre a história que escrevo aqui neste quarto-cela. Eu montei aquele genograma que me ensinaram – na verdade, nunca soube fazer aquilo, mas no sonho eu sabia – e que conta a história da família de Clara por desenhozinhos, quadradinhos e bolinhas. É claro que foi um sonho, porque jamais faria isso. Mas comecei e falar, e minhas colegas deste lugar de muros e corredores faziam suas apostas.

Quem é a Maria Que Conta?

Havia uma garota de pele morena, meio índia, com sotaque diferente da maioria das minhas colegas-irmãs deste asilo. Ela disse que veio de Buenos Aires, então será a Chica Tortoni. Ela pareceu interessada. Havia um jovem gordinho e alegre como só os gordinhos conseguem ser: alegres e cheios de ideias. Ele falava que tudo é comportamento e me explicou a história dos ratinhos. Este é o Garoto Skinner. No fundo, acho que ele pensa parecido com a Sarah e suas loucuras. Talvez sejam níveis diferentes de loucuras, essa dos ratinhos e dos comportamentos das pessoas – sendo, sem dúvida, a loucura de Sarah – e a da Srta. Vygotsky, descobri então – a loucura suprema. Pensei que deve haver uma conspiração psicanalítica que ronda este lugar.

Então acordei.

Passei pelos corredores hoje, enquanto chovia lá fora, e vi Brownie conversando com a Srta. Vygotsky. Ela disse que ainda não tinha provado dos brownies de Brownie. Quando cheguei perto, Brownie, a Garota Que Anda Em Slow Motion, me perguntou se eu ia escrever hoje.

Olhei pela janela.

Maria Que Escreve Quando Chove.

Maria Que Nunca Sabe O Que Vai Escrever.

Mas Que Ainda Assim Escreve.

Deve ter ficado em algum lugar perdido dentro de mim. O Garoto Skinner foi quem me emprestou aquele livro do tal Bandura. Devo ter ouvido a Srta. Vygotsky falando em algumas dessas salas. Devo ter reparado no sotaque de Chica Tortoni. Tanta coisa que deve ter acontecido.

Tanta coisa que aconteceu.

Por que ainda não consigo falar sobre isso?

Por que não lembro?

Porque não posso ou porque também fui inundada?

Meu deus, inundada de quê?

Suspiro.

O penhasco. Sempre fujo dele. Sempre tento fugir. E vou esticando o texto, sem jamais saber que palavra virá a seguir, mas sem conseguir parar, como se meus dedos tivessem vida, ou pode ser simplesmente aquela inundação que a Srta. Vygotsky falou. Tenho certeza de que ela é do time de Sarah. Psicanalistas Do Inferno Que Tiram Minhas Noites De Sono.

Não sei por que, mas pensei agora em Claudius.

Maldito.

O homem dos pesadelos de Maria, a mãe.

E da pequena Clara.

Às vezes me volta à mente a ideia de que esta história termina em um dia de chuva. O frio voltou e esses dias cinzas lindos também. Então vou escrevendo, trancafiada aqui. Pensando na Srta. Vygotsky, na Chica Tortoni, no Garoto Skinner. Em Brownie.

Em Maria, a mãe.

No tempo que se passou.

Na pequena Clara.

Sweet Lady Clara.

E se Clara não for uma pessoa, mas um objeto, como ouvi o Garoto Skinner sugerir em meu sonho?

Chica Tortoni também tem suas teorias.

E se eu descobrir que tudo isso é um grande delírio?

E se eu já tiver morrido, como supus? De alguma forma, sei que morri.

Só quero descobrir o que fui antes.

E penso em Brownie e seus brownies com cheiro de infância.

Quase posso sentir seu cheiro.

A infância que se perdeu. Mas que ainda está lá. Perdida dentro de mim.

Como essa história horrível que odeio escrever.

O que fui antes de morrer?

Que vida foi essa que se perdeu?

Sarah e suas loucuras que contaminam. Neutron, Vygotsky, talvez elas sejam que nem eu, e somos todas desgarradas neste lugar que às vezes me parece um cemitério. Ou uma casa abandonada.

Uma casa abandonada.

Um lar que se quebrou no meio.

Sim, ainda existe esperança.

Reconstruir a vida que se perdeu, o lar que se foi. Sobrou algo depois do incêndio que consumiu a todas nós?

Então olho para as marcas em meus braços. Não programei escrever “incêndio”, mas de alguma forma meu cérebro cuspiu essa palavra. Um incêndio que consumiu a todas nós.

Nem todas.

Estou viva.

Estamos vivas, pequena Clara.

Estou viva dentro de você e você dentro de mim.

Assim como Maria, a mãe.

A vida ainda não se perdeu.

Ainda não.

21:19

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 169





Sexta-feira, 8 de maio de 2015

00:37

Maria volta ao quarto. A esta história horrível. Ao frio que voltou. Falei hoje com Sarah e às vezes ela tem o raro dom de me deixar pior do que já estou. Vaca. Malditos psicanalistas do inferno. Juro que pensei em matar ela e acabar com essa dor. Mas talvez não acabasse nada e talvez – e odeio ela um pouco por isso – todo esse lodo no qual fico algumas vezes depois que nos falamos faça parte de um plano maior.

Tipo, o fim da dor.

Se é que há um fim.

O fim que procuro e do qual fujo: o mistério da pequena Clara.

O fim desta história toda, que corre atrás do próprio rabo, uma história horrivelmente mal escrita que nunca dá em nada.

Mas por algum motivo continuo escrevendo esta merda.

Li uns trechos de um carinha chamado Bandura, que fala de motivação e uso de diários para monitorar a si mesmo. Sei lá, pensei que minha motivação para escrever, a motivação primeira, é me livrar da dor. A dor que fica presa no de dentro de mim, Maria Presa Em Si Mesma. Mas também escrevo para lembrar. Essa é a motivação segunda, acho. Depois temos os diários, que é mais ou menos isso que faço aqui. Não que eu alimente em segredo que algum dia alguém vá ler isso aqui. Talvez a um nível inconsciente, sei lá.

Meu deus, Sarah, foda-se. Estou enlouquecendo, sua vaca.


Talvez eu devesse dizer isso a ela, mas acho que dizendo aqui é como dizer para ela. Talvez por isso, no fundo, escreva.

Então, talvez aquele sonho-pesadelo não seja apenas um sonho, e um dia eu explique ao mundo como é a história de Clara. Essa historiazinha que tento escrever aqui a cada noite, ou madrugada, sempre que a dor transborda.

Maria Transbordante.

Maria Que Olha Pela Janela No Escuro.

De onde acho que vi Clara brincando na pracinha pela primeira vez. Descendo pelo escorregador. E Maria, a mãe, mamãe linda, mamãe the best of the world, esperava ela na chegada, depois embalava ela nos balanços, assim como um dia foi na caminha acolchoada de Clara. Maria, a mãe, que contava histórias para sua filha Clara. Uma das duas, quem sabe as duas, talvez tivessem se tornado escritoras. Seria um final interessante para esta história.

Me arrepio quando escrevo isso.

Talvez exista esperança, depois de tudo.

Respiro fundo.

Tenho vontade de chorar.

Depois de tudo.

Maria Que Olha Pela Janela.

Procurando a princesa mais linda do mundo.

A princesa que se perdeu no alto do castelo.

Sozinha.

Mas ainda podemos subir lá no alto, pequena Clara.

E vamos descer juntas.

Como mãe e filha.

E é então que começo a chorar.

00:54